UFPA sedia evento internacional sobre os impactos do mercúrio na Amazônia

A Universidade Federal do Pará (UFPA), em parceria com o Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica (CFBBA), realizou nesta quarta-feira, 13 de agosto, o primeiro encontro internacional dedicado à discussão das consequências da utilização do mercúrio na região. 

O evento, promovido no auditório Arlindo Pinto, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFPA), teve a presença do professor Gilmar Pereira da Silva, reitor da UFPA, e contou com mesas-redondas e palestras sobre diferentes aspectos da temática, incluindo os efeitos do mercúrio sobre a saúde humana, os ecossistemas amazônicos e os desafios enfrentados pelas populações expostas, que são as principais afetadas por este elemento químico altamente tóxico.

A professora Maria Elena Crespo López, coordenadora do Laboratório de Farmacologia Molecular (ICB/UFPA) e do Instituto Amazônico do Mercúrio (IAMER), responsável pela organização do evento, ressaltou a importância da colaboração científica internacional no encontro. “Aqui na Amazônia, enfrentamos muitas dificuldades para sermos visibilizados como pesquisadores. Por isso, é essencial poder receber cientistas renomados, com quem geralmente só temos contato por meio de artigos. Essa troca é fundamental para nossos estudantes, não apenas valiosa, mas essencial para sua formação”, considera.

Crespo, que é uma das grandes referências sobre o tema no país, também destacou a conexão direta entre a contaminação por mercúrio e as mudanças climáticas, uma associação que, segundo ela, ainda é pouco discutida no debate público. “Quando a gente pensa no mercúrio, não o associa imediatamente às mudanças climáticas, mas, na Amazônia, essas duas questões estão intimamente relacionadas”, afirmou. Ela explicou que “a atividade garimpeira, como principal fonte de liberação de mercúrio, também é uma das maiores responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa na Amazônia, devido ao uso intensivo de maquinário movido a combustíveis fósseis”, acentua.

Por outro lado, os efeitos das mudanças climáticas, como as secas mais severas e recorrentes, o aumento das queimadas e o desmatamento, acabam agravando ainda mais a dispersão do mercúrio no ambiente. “Esses fenômenos mobilizam o mercúrio armazenado na floresta, o que aumenta a contaminação ambiental e a exposição das populações locais”, alerta.

Crespo chamou atenção ainda para o papel das queimadas nesse processo. “A floresta tenta nos proteger. As folhas e árvores retêm parte do mercúrio lançado no ar. Mas, quando queimamos essas árvores, todo esse mercúrio armazenado retorna à atmosfera. É como se estivéssemos lançando mercúrio novamente no meio ambiente”, explicou.

Também participaram da mesa de abertura, a professora Nadège Mézié, do Centre Franco-Brésilien pour la Biodiversité Amazonienne (CFBBA); e a professora Renata Coelho Noronha, diretora do ICB/UFPA.

Mesas-redondas – Abrindo os trabalhos, a mesa-redonda “Tracking Mercury: Ocean Clues, Aquafeed Innovation, and Amazonian Challenges” reuniu especialistas do Brasil e da França para discutir os impactos do mercúrio no meio ambiente, com foco especial nos ecossistemas amazônicos. 

A primeira apresentação foi da professora cubana Zoyne Pedrero Zayas, diretora de pesquisa no CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica da França), vinculada à Université de Pau et des Pays de l’Adour e ao IPREM (Instituto de Ciências Analíticas e Físico-Químicas para o Meio Ambiente e Materiais), na França. Em sua palestra, Zayas abordou o potencial das ferramentas da química analítica no rastreamento do mercúrio.

Durante sua participação, a pesquisadora destacou como experiências em ecossistemas marinhos podem ser aplicadas aos desafios amazônicos. “Quis compartilhar principalmente o potencial das ferramentas analíticas da química para o rastreamento e estudo do mercúrio nos desafios específicos da região amazônica”, explicou. Segundo ela, embora a maioria dos estudos disponíveis se concentrem em ecossistemas marinhos, o conhecimento acumulado nesses contextos pode ser adaptado à realidade amazônica. Zoyne mostrou ainda exemplos de pesquisas já realizadas e convidou os participantes a refletirem sobre como essas ferramentas podem ser aplicadas na nossa região.

Zayas também alertou para os impactos negativos do mercúrio utilizado pelo garimpo ilegal, ressaltando que a principal via de exposição das populações ribeirinhas é o consumo de peixe contaminado. “Sabemos que o mercúrio não é essencial ao organismo, é tóxico, e termina entrando na cadeia trófica. As populações amazônicas consomem peixe em quantidades muito maiores do que em outras regiões do país, e esse peixe acaba bioacumulando o mercúrio presente na água”. Para a pesquisadora, os estudos sobre o mercúrio na Amazônia não têm apenas importância regional, mas também global. “A Amazônia funciona como um laboratório vivo, com fenômenos únicos, como as cheias e secas extremas, que vêm se intensificando. Esses eventos alteram a dinâmica do mercúrio no meio ambiente, e entender como isso acontece é essencial para uma compreensão mais ampla do problema”, ressalta. 

Na sequência, o professor Laurent Ouerdane, também do CNRS e da Université de Pau et des Pays de l’Adour, discutiu como as condições ambientais específicas da Amazônia afetam a interação entre metais pesados, como o mercúrio, e a biodiversidade local. Encerrando a mesa, o professor Antônio Humberto Hamad Minervino, da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), trouxe contribuições sobre o uso de modelos animais no biomonitoramento de ecossistemas amazônicos, destacando a importância de métodos eficazes para avaliar o impacto de contaminantes ambientais nas populações humanas e na fauna da região.

A segunda e última mesa-redonda do evento tratou de estudos com ênfase tanto na saúde humana quanto na contaminação da fauna aquática por mercúrio. A doutoranda Marianna Alves Cancian, da Université de Pau et des Pays de l’Adour (França), apresentou um estudo inovador sobre a identificação e caracterização de nanopartículas de mercúrio (Hg) e selênio (Se) em peixes de água doce da Amazônia. Segundo ela, é a primeira vez que essas nanopartículas são detectadas e analisadas em espécies da região. Já o doutorando Francisco Flávio Vieira de Assis, da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), compartilhou os resultados de uma avaliação toxicológica do pirarucu (Arapaima gigas), um dos principais peixes consumidos na região. O estudo identificou elementos tóxicos e traços nos tecidos do animal, contribuindo para o entendimento dos riscos à saúde humana relacionados ao consumo dessa espécie.

A pesquisadora Amanda Lópes Araujo, pós-doutoranda no Laboratório de Farmacologia Molecular (ICB/UFPA) e integrante do Instituto Amazônico do Mercúrio (IAMER), abordou o panorama brasileiro sobre a notificação de contaminação por mercúrio e analisou, de forma teórica e prática, como esse cenário se manifesta na Amazônia. Sua fala destacou a importância de sistemas eficazes de vigilância e comunicação de riscos à população. Fechando a mesa, a também pós-doutoranda Letícia Santos Sacramento (ICB/UFPA) apresentou uma revisão das diretrizes clínicas para exposição ao mercúrio e os resultados de uma avaliação longitudinal dos impactos dessa exposição em comunidades ribeirinhas da Amazônia. O estudo reforça a necessidade de políticas públicas voltadas à saúde ambiental na região.

Texto: Ana Teresa Brasil – Ascom Movimento Ciência e Vozes da Amazônia na COP 30

Imagens: divulgação