Diversidade de vozes marca evento preparatório para a COP 30, na UFPA, em Belém

Participantes da mesa de abertura observam o Reitor Gilmar Pereira da Silva em seu discurso na UFPA

Representantes de universidades, instituições de pesquisa e lideranças políticas se reuniram na capital paraense em um evento que colocou em pauta os desafios e as oportunidades do Brasil frente à emergência climática. A ideia é reunir proposições e movimentar todos os setores da sociedade em preparação para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), prevista para acontecer em novembro em Belém (PA).

Reitor Gilmar Pereira da Silva discursa na abertura do evento, no Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ- UFPA)

O encontro “As Contribuições da Amazônia para a COP-30” aconteceu entre os dias 02 e 03 de julho de 2025, na Universidade Federal do Pará (UFPA), em parceria com outras instituições de ensino e pesquisa e com apoio da sociedade civil. O reitor da UFPA, Gilmar Pereira da Silva, considerou a programação uma excelente oportunidade de discussão e de conexão. “Realizamos esta e outras atividades, porque é fundamental que a gente tenha um espaço que possa envolver não só a ciência, mas também os movimentos sociais, os estudantes, os sindicatos, e as instituições como um todo. Precisamos estar preparados e engajados para aproveitar o que está diante de nós”, argumenta.

O reitor pondera que o momento não requer deslumbramento, mas firmeza diante das possibilidades trazidas pelo maior evento internacional sobre mudança do clima. “Eu não tenho nenhuma ilusão de que a gente vai resolver os problemas da humanidade com a COP-30. Mas eu tenho certeza de que a gente vai poder colocar os desafios da humanidade à vista das pessoas. É para isso que nos mobilizamos”, afirmou. 

Durante o encontro, que integra a programação oficial do movimento “Ciência e Vozes da Amazônia na COP30”, lançado pela UFPA em fevereiro, os participantes destacaram que a conferência da ONU deve ser mais do que uma reunião entre chefes de Estado: precisa respeitar a sociobiodiversidade brasileira, a partir das diferentes regiões, saberes e biomas.

Na mesa “Ciência e Vozes do Brasil na COP-30”, participam Joana Angélica Guimarães da Luz, reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB); Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG); e Iury Paulino Bezerra, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Reitora Joana Angélica (UFSB), no segundo dia do evento

A reitora da UFSB, Joana Angélica, ressaltou a importância de envolver instituições de ensino e pesquisa no processo. “A COP é um evento que vai acontecer na Amazônia, mas é também uma oportunidade de repensarmos as relações que estabelecemos em todo o país”, afirmou. Ela destacou que, embora a atenção internacional esteja voltada para a floresta amazônica, os outros biomas brasileiros também devem ser levados em consideração.

“A Mata Atlântica, onde estamos inseridos, já foi amplamente devastada. Precisamos tirar lições disso para garantir que a Amazônia continue sendo Amazônia. As universidades têm um papel fundamental nesse processo. Trabalhar juntos é essencial para compreendermos toda essa complexidade e construirmos um Brasil melhor”, concluiu.

Iury Paulino Bezerra (MAB)

Já Iury Paulino Bezerra, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), acredita que a COP é um espaço estratégico, mas precisa ser constantemente tensionado pelos movimentos sociais para produzir resultados concretos. “E nós olhamos para a COP com a percepção de que é um instrumento importante, mas é preciso que tenha muita luta e organização popular do povo para entender que sempre precisa ter uma pressão muito grande para que se tenha avanços nas perspectivas”, afirmou. Ele alertou ainda para a necessidade de incorporar o debate sobre política energética nas discussões climáticas, defendendo um modelo de desenvolvimento voltado para os povos. “Se não tiver uma discussão da política energética como elemento de desenvolvimento do Brasil — e, sobretudo, do desenvolvimento dos povos — nós teremos muita dificuldade”, frisou.

Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG)

Segundo Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), é fundamental incluir as populações mais impactadas nos debates sobre o futuro do planeta. “Essa questão das vozes é central, porque o presente e o futuro do Brasil e do mundo não podem ser discutidos apenas pelas organizações institucionais. Eles precisam ser dialogados, em especial, com aquelas populações que são mais atingidas”, afirmou.

Ele destacou ainda o papel das organizações estudantis nesse processo. “Nós, da ANPG, da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da Organização Caribenha e Latino-Americana dos Estudantes, que reúne mais de 48 entidades da nossa região, temos debatido muito sobre a importância dessa COP e, especialmente, sobre o papel da Amazônia como um instrumento de integração entre nossos povos”, completou.

A COP é melhor que a COPA! – Presente no último dia da programação, a  diretora-executiva da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e ex-senadora pelo Amazonas pelo PCdoB, Vanessa Grazziotin, fez questão de mencionar que também é Amazônida, pois nasceu em Santa Catarina, mas foi criada no Amazonas onde estudou e se formou. Ao relembrar que Belém ficou de fora do conjunto das cidades-sede da Copa do Mundo de futebol no Brasil, ela destacou que o momento atual é mais vantajoso para o estado do Pará. “Não desmerecendo o futebol, do qual sou admiradora, mas a COP traz a possibilidade do diálogo, e ela traz um diálogo mundial pra dentro do nosso território e isso é muito importante. É o evento mais participativo da ONU justamente porque chama a atenção da sociedade. E isso é essencial: precisamos envolver a população nesse debate”, considera. Grazziotin criticou ainda  a forma como a Amazônia e a cidade de Belém são retratadas pela mídia, como um lugar pobre e quente. Para ela, a região vai além da relevância ambiental, pois é constituída de pessoas.

A ex-senadora também destacou o papel central das universidades e dos institutos de pesquisa na formulação de soluções sustentáveis: “O atual padrão de desenvolvimento não garante acesso à maioria da população e ainda provoca desequilíbrios ambientais severos. Precisamos mudar isso com base no conhecimento científico.”

Vanessa participou da mesa “As Contribuições da Amazônia para o Financiamento Climático”, ao lado de Raimunda Monteiro, professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e secretária executiva adjunta do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável; além de Lidenilson Sousa da Silva, coordenador do Movimento Camponês Popular (MCP); e de Paulo De Marco Júnior, da Universidade Federal de Goiás (UFG), com a mediação  da professora Lise Tupiassu (UFPA).

Lidenilson Sousa da Silva, coordenador do Movimento Camponês Popular (MCP),

Lidenilson Sousa da Silva, coordenador do Movimento Camponês Popular (MCP), refletiu sobre o significado profundo da Amazônia como território vivo, habitado e ancestral. Segundo ele, o bioma deve ser compreendido para além dos aspectos naturais, como espaço de saberes e práticas históricas. “A Amazônia que nós estamos tratando aqui é uma Amazônia que era habitada. Ela é um território de vida, território de cultura, seja ela a cultura agora, deste momento, mas também uma cultura ancestral, um conhecimento construído e transmitido historicamente. É essa Amazônia que nós estamos falando”, explicou. Ele defendeu o reconhecimento das tecnologias sociais já desenvolvidas pelas populações amazônidas como ferramentas importantes diante da crise climática.“Temos tecnologias sociais desenvolvidas, importantes, necessárias,  inclusive dando resposta a essa realidade dos efeitos climáticos, da crise climática. É essa necessidade do indivíduo que cria a necessidade real de construir a ciência, aplicar e fazer dela uma maternidade”, sublinhou.

Raimunda Monteiro, do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável

A professora Raimunda Monteiro, por sua vez, elogiou a iniciativa da Universidade Federal do Pará (UFPA) em promover o evento e ressaltou que a COP deve ser compreendida como um momento de mobilização social. Ela também ressaltou que a presidência brasileira da conferência aposta fortemente nesse engajamento coletivo, com foco nos compromissos de 2025 a 2035. “É fundamental que todos se reconheçam como parte desses compromissos, desde os territórios locais até as universidades, que têm papel crucial ao produzir conhecimento e tecnologia voltados à solução dos problemas ambientais.” 

Monteiro destacou ainda o anúncio da diretora executiva da COP sobre a centralidade da ciência na próxima edição da conferência. “Essa ênfase é coerente com as diretrizes do Brasil para esta COP, especialmente no que diz respeito à implementação prática dos compromissos climáticos. Isso inclui tanto inovações tecnológicas quanto os conhecimentos tradicionais dos povos da Amazônia”, concluiu.

Paulo de Marco Júnior, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG)

Paulo de Marco Júnior, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), chamou a atenção para a relação direta entre o Cerrado e os impactos ambientais observados na Amazônia. Segundo ele, é essencial que o bioma amazônico não seja debatido de forma isolada. “Eu estou no Cerrado, sou professor da Universidade Federal de Goiás, e esse efeito inverso também acontece. Eu acho espetacularmente importante que a gente ouça uma diversidade de falas aqui”, iniciou.

O pesquisador alertou que boa parte dos problemas atribuídos à Amazônia tem origem em outras regiões. “Setenta por cento do problema do que está acontecendo na Amazônia não está surgindo aqui na Amazônia”, afirmou. Para ele, visibilizar o Cerrado é um passo indispensável para enfrentar a crise climática de forma mais ampla. “Precisamos, ao visibilizar a Amazônia, não deixar de visibilizar o Cerrado e as questões que nele acontecem”, ponderou.

O encerramento da programação foi realizado pelo reitor da UFPA, Gilmar Pereira da Silva. Ele reforçou o papel da universidade neste e em outros momentos pré e pós-COP. “É por isso, entendendo esse processo, que, para além da zona azul, existem todas as outras zonas. Queremos garantir essa articulação, fazer com que todos possam participar, especialmente os mais pobres”, afirmou, destacando que a UFPA ficará à disposição para discutir temas urgentes como a defesa da Amazônia, a crise climática e os direitos humanos. “Devemos colocar em pauta não só a questão ambiental, mas os direitos humanos, o problema dos assassinatos no campo, dos garimpos ilegais, da corrupção. O clima precisa estar associado a tudo isso”, concluiu.

Texto: Ana Teresa Brasil – ASCOM movimento Ciência e Vozes da Amazônia na COP-30

Imagens: Alexandre de Moraes