UFPA e Museu de História Natural da França visitam Quilombo do Abacatal

O Quilombo do Abacatal, em Ananindeua (PA), recebeu a visita de uma comitiva do Muséum National d’Histoire Naturelle (MNHN), em português Museu Nacional de História Natural, da França, na última sexta-feira (03). 

Pela Universidade Federal do Pará, o professor Hervé Rogez, do Centro de Valorização de Compostos Bioativos da Amazônia (CVACBA/UFPA), organizou o encontro com a comunidade, e destacou a importância da integração Brasil-França para a realização de projetos de cooperação. “Fortalecer essa conexão nos permitirá ofertar projetos bilaterais comuns, especialmente na área de biodiversidade, pesquisas e coleções tanto de vegetais quanto de insetos ou de microrganismos, pois o Museu de História Natural da França possui uma das maiores coleções do mundo, e a UFPA está avançando muito nessa área”, acentua o professor.

A ida ao território permitiu aos visitantes um encontro único com uma extensa área de floresta nativa situada na Região Metropolitana de Belém (RMB). “É realmente a primeira vez que venho a um quilombo e também é a primeira vez que estou no estado do Pará para descobrir essa natureza extraordinária que está em osmose com o ser humano, e aqui nesta comunidade, é uma relação que se observa em estado de equilíbrio”, ressaltou Gilles Bloch, presidente do Museu. Para ele, esta foi uma “oportunidade para conhecer parceiros do Museu Nacional de História Natural, em particular a Universidade Federal do Pará”, pontuou.

Bloch esteve acompanhado de Jane Lecomte, especialista em dinâmica populacional e processos de dispersão em paisagens fragmentadas e integrante do Conselho Binacional do Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica (CFBBA) para a agência de programação “Climat, biodiversité et sociétés durables”; Carole Pierlovisi, diretora de Relações Internacionais do MNHN; e Nadège Mezié, coordenadora do CFBBA.

Experiência quilombola 

No encontro com a comunidade quilombola, os pesquisadores entraram em contato com as histórias orais, os modos de produção agrícola e o trabalho artesanal familiar que atravessa gerações. Eles também participaram de uma trilha pelo Caminho das Pedras, um lugar sagrado para a comunidade, que teria sido construído pelos ancestrais escravizados para dar acesso ao Igarapé do quilombo. “Para eles, essa troca de experiência é muito importante, pois simboliza uma aproximação intercultural. O Museu de História Natural dá muito valor às questões históricas, por isso eles consideram fundamental conhecer não apenas a biodiversidade, mas também os relatos das populações tradicionais que habitam esse lugar. E isso é muito importante porque uma coisa é ler, outra coisa é viver isso”, explica o professor Hervé Rogez.

Jane Lecomte, diretora do departamento científico “Hommes et environnement”, revela que a visita ao quilombo do Abacatal representou um marco em sua carreira. “Foi equivalente à realização de um sonho, porque a floresta amazônica, para mim, é extraordinária e representa a própria essência do que é uma floresta tropical”, descreve. “É um grande prazer estar aqui, porque é importante ver, testemunhar de perto, para depois ter argumentos para levar ainda mais adiante a defesa das questões de preservação”, enfatiza Lecomte, complementando que o contato com a comunidade também foi extremamente enriquecedor. “Foi prazeroso conhecer famílias que vivem historicamente em uma relação respeitosa com o meio ambiente”, destacou.

O intercâmbio científico do Museu Nacional de História Natural tem um peso bastante significativo, segundo o professor Hervé Rogez (CVACBA/UFPA). “Devemos ponderar que é excepcional a vinda do presidente do museu, acompanhado da diretora da instituição. Ele costuma fazer raríssimas viagens com a finalidade de cooperação. Sua vinda não é apenas por conta da realização da Conferência do Clima, a COP 30, mas sobretudo pelo esforço coletivo de aproximar ainda mais o Brasil da França, é uma das estratégias para consolidarmos as colaborações entre as instituições”, concluiu o docente.

Na quinta, 02 de outubro, a comitiva francesa visitou a Universidade Federal do Pará para conhecer o trabalho desenvolvido pelos institutos e núcleos especializados na sociobiodiversidade amazônica, incluindo inúmeras redes de pesquisa que resultam da integração entre instituições da Pan-Amazônia e de outras regiões internacionais.

Produção quilombola

Uma produção diversa e sustentável é a marca da comunidade instalada em 1810 e identificada como a terra remanescente de quilombo mais próxima da capital paraense. Representantes desses produtores marcaram presença durante a visita da comitiva do Muséum National d’Histoire Naturelle e apresentaram amostras dos trabalhos realizados, como licores, cachaças, velas aromáticas em cascas de frutas, biojóias e artesanato em bambu.

Um dos grupos que mantêm viva a tradição familiar é o “Artesãs do Quilombo”, formado por Marcela Barbosa Monteiro, seu pai e sua mãe, moradores da comunidade e responsáveis por um trabalho artesanal que une sustentabilidade, cultura e resistência, utilizando sementes naturais da região. “Trabalhamos com açaí, donídia, paxiúba e o bim, que usamos no acabamento das peças”, explica. As sementes são furadas, envernizadas e montadas com o auxílio de máquinas criadas pelo pai de Marcela. “Ele mesmo inventou cada uma das máquinas que usamos”, destaca. Ela explica que o grupo ainda não consegue vender online: “É difícil porque não tem uma loja ou serviço que faça entrega. Então só vendemos presencialmente”, relata.

Quem também vê no artesanato uma forma de manter viva a história da comunidade é o artesão Gladimir de Oliveira Nascimento. Trabalhando com bambu desde 2017, ele conta que o processo começa com a escolha do material: “Tem que ser um bambu maduro”. Depois da retirada, o material passa por cortes, cozimento para evitar mofo, secagem, montagem, desenho, grafia e finalização com verniz. Entre os objetos produzidos estão canecas, porta-líquor, barcos, casas, aviões e fontes. “Vendemos em feiras e também pelas redes sociais. Já tivemos encomendas até de fora do estado”, diz com orgulho.

Gladimir também vê no ofício uma forma de transmitir saberes para as próximas gerações. “Tanto sinto prazer que estou incentivando meu filho. Quero que ele leve adiante a nossa arte”, afirma. Para ele, todo o trabalho é uma forma de contar a história do quilombo: “Tudo que eu faço é representando a nossa comunidade.”

Passado histórico

A história do Quilombo Abacatal é marcada por um passado singular. De acordo com Maria José da Costa, moradora e descendente direta dos fundadores, a comunidade não se originou de um processo de fuga de escravizados, como a maioria dos quilombos. “O nosso quilombo é diferente. Foi uma herança deixada por um conde, o Conde Coma Mello, que teve três filhas com uma escrava chamada Olímpia. Quando a escravidão acabou, ele voltou para sua terra e deixou as terras para as filhas. Foi assim que começou a nossa comunidade, com a linhagem das três Marias”, conta.

Atualmente, cerca de 500 pessoas vivem no quilombo. O nome Abacatal, segundo Maria José, é fruto de um erro de cartório. “O certo seria Abacabal, por causa da fruta abacaba, que tem muito aqui. Mas quando foram registrar, colocaram Abacatal. E ficou”, esclarece.
Viver no quilombo, segundo ela, é uma mistura de desafio e orgulho. A distância da cidade, a falta de saneamento básico, energia precária e a ausência do poder público são problemas enfrentados diariamente. “A gente tem uma certa rejeição fora da comunidade. O racismo pesa mais quando você é negro, quilombola e mora em área rural”, lamenta. Ainda assim, ela ressalta o valor de viver em um lugar onde é possível criar os filhos em contato com a natureza e com uma alimentação mais saudável. “É um privilégio que muita gente lá fora não tem.”

Para a comunidade quilombola, o artesanato, com algumas técnicas aperfeiçoadas a partir de cursos ofertados por universidades e institutos tecnológicos, representa não apenas uma forma de subsistência, mas um meio de manter viva a memória, a identidade e o espírito coletivo entre as atuais e futuras gerações.

Texto: Ana Teresa Brasil

Fotos: Natália Almeida