Carta de Belém: vozes da Amazônia se manifestam em defesa da sociobiodiversidade

Em clima de expectativa para a COP 30, a Universidade Federal do Pará (UFPA) foi palco de um importante marco para a ciência Pan-Amazônica e mundial: a entrega da Carta de Belém. O documento, que veio a público na sexta, 26 de setembro de 2025, no encerramento do encontro “Conexões Amazônicas: Ciência e Rede para a COP 30”, é assinado por cientistas das principais redes de pesquisa em sociobiodiversidade e clima da Amazônia, e reúne diversas proposições como forma de integrar as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil.

As NDCs visam, desde o lançamento do Acordo de Paris, em 2015, contribuir para tornar o planeta mais sustentável. Por meio delas, cada país apresenta alternativas de mitigação aos efeitos das mudanças climáticas, como por exemplo, limitar o aquecimento global a 1,5°C. 

Para o reitor da UFPA, Gilmar Pereira da Silva, a Carta de Belém tem como finalidade sensibilizar não apenas os tomadores de decisão, mas toda a sociedade, para que uma mensagem clara seja dada. “A verdadeira compreensão da Amazônia vai além da teoria e se constrói com base na vivência local, reconhecendo a autoridade daqueles que vivem e experienciam os desafios da região diariamente”, acentua. 

De acordo com o professor Leandro Juen, que coordena o Centro Integrado da Sociobiodiversidade da Amazônia (CISAM), “as contribuições resultam do esforço coletivo de cerca de 120 pesquisadores que há décadas lutam para desenvolver educação e ciência de qualidade na região”, explica.

Já o professor José Júlio Toledo, coordenador do Centro Avançado de Pesquisa-Ação da Conservação e Recuperação Ecossistêmica da Amazônia (CAPACREAM), ressalta a importância do engajamento científico na Amazônia Legal. “Temos ações de pesquisa em todos os estados que compõem a região, e, com isso, podemos definir valores de referência para a recuperação dos nossos ecossistemas”, pontua.

O texto é assinado pelas principais redes de pesquisa em sociobiodiversidade e clima da Pan-Amazônia, integrando projetos dos programas PELD (Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração/CNPq), PPBio (Programa de Pesquisa em Biodiversidade/CNPq), INCT (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia/CNPq), PróAmazônia (Programa Integrado de Desenvolvimento Sustentável da Região Amazônica), que inclui, por exemplo, o CAPACREAM, e o Centro de Agricultura, Tecnologias, Estudos Geoambientais Observacionais e Referência em Inovação da Amazônia (CATEGORIA). Também contribuíram o CISAM e o Programa Conhecimento Brasil (Apoio a Projetos em Rede com Pesquisadores Brasileiros no Exterior). 

O que diz a Carta? 

Na capital paraense, sede da COP 30, os cientistas apresentaram propostas, por eixos temáticos da NDC. A seguir, você confere um resumo dos principais pontos.

Eixo II – Como as florestas, o oceano, as águas continentais e a biodiversidade devem ser geridos, segundo os cientistas Pan-Amazônicos?

Eles sugerem, por exemplo, que os ecossistemas aquáticos, marinhos e límnicos (de água doce), bem como os florestais e de áreas úmidas, devem receber monitoramento de longo prazo, a partir de programas como os PELDs e PPBios. Além disso, o trabalho deve ocorrer com abordagens participativas, incluindo os povos e comunidades tradicionais.

A partir de suas experiências em campo, eles apresentaram também recomendações de quais tecnologias devem ser utilizadas nesse monitoramento, e apontam como fundamentais o desenvolvimento e a aplicação de processos e produtos químicos sustentáveis que reduzem a geração de resíduos, o consumo de energia e a emissão de gases de efeito estufa.

Eixo III – É preciso urgência em novos Planos de Agricultura e sistemas alimentares!

Os cientistas enfatizam que os impactos das atividades do agronegócio e de toda a infraestrutura envolvida, como as ferrovias, rodovias e hidrelétricas, devem ser avaliados. Do mesmo modo, as práticas produtivas de baixo impacto e com o envolvimento participativo dos povos e comunidades tradicionais devem ser incentivadas.

Tecnologias sociais e Agroecologia são essenciais. Além disso, todos devem estar integrados a essas necessidades: as comunidades internacionais precisam optar por produtos alimentícios oriundos de sistemas sustentáveis, clama o documento.

Eixo IV – Como proteger as cidades e suas populações ante os efeitos das mudanças climáticas?

Diagnósticos participativos sobre os impactos de grandes empreendimentos; fomento e apoio aos municípios para elaboração dos seus Planos Municipais sobre Mudança do Clima, como preconiza o Plano Nacional; além de estratégias de controle e profilaxia de agentes causadores de doenças em animais e humanos a partir das condições de uso e ocupação da terra, estão dentre as recomendações.

Eixo V – Desenvolvimento humano e social 

Para os pesquisadores, quando o mundo fala em Amazônia e a ênfase recai sobre o meio ambiente e o clima, há uma grande falha em desconsiderar seus habitantes. Neste contexto, eles argumentam ser de extrema relevância tomadas de decisão como a “criação e execução de programas de formação intercultural voltados para jovens e adultos amazônidas, unindo saberes acadêmicos e ancestrais, desde o nível básico até o ensino superior; a construção de programas de formação e fixação de jovens pesquisadores na Amazônia, em conjunto e com ênfase em pesquisadores indígenas e de comunidades tradicionais; e  a implementação de escolas de campo da sociobiodiversidade, como espaços de ensino, pesquisa e extensão para comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e periféricas”. 

Eixo VI – Objetivos transversais 

Além de reconhecer que a produção do conhecimento científico é fortalecida a partir das contribuições de povos e comunidades tradicionais da Amazônia, os pesquisadores acentuam que todo esse trabalho necessita de integração entre redes e instituições brasileiras e internacionais que reconhecem e promovem o protagonismo da Amazônia como polo de soluções globais, e também para a troca de metodologias e escalonamento de soluções na Pan-Amazônia e em outras regiões tropicais. Também recomendam a democratização do conhecimento científico, comunicando os resultados das pesquisas em linguagem simples para tomadores de decisão, comunidades e sociedade civil, ampliando o impacto das evidências.

Reivindicações 

Os pesquisadores identificaram demandas estruturais para garantir a efetividade da participação da ciência na região, com destaque para: Investimento massivo na formação de base do cidadão amazônico; Editais contínuos e de longo prazo, para fortalecimento dos programas de pesquisa na Amazônia; – Cumprimento dos compromissos assumidos pelas Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) – que também devem complementar bolsas e editais; Fortalecimento das Universidades e Instituições de Pesquisa amazônicas; Criação de um programa de comunicação pública da ciência da Amazônia; e a Inclusão da justiça climática como princípio transversal para orientar todas as ações da NDC.

Confira aqui a Carta de Belém na íntegra!

Texto: Ana Teresa Brasil – Movimento Ciência e Vozes da Amazônia na COP 30

Fotos: Natália Almeida e Wallace Albuqerque