Universidade Federal do Pará sedia os Diálogos Amazônicos 2025 – Etapa Brasileira

A Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, foi sede, nesta terça-feira (29), do encontro Diálogos Amazônicos 2025 – Etapa Brasileira, realizado em formato híbrido. O evento reuniu representantes de povos tradicionais, organizações sociais, autoridades e especialistas para discutir os principais desafios e caminhos para o futuro da Pan-Amazônia.

A etapa brasileira marca o início da construção coletiva das propostas que serão levadas à V Cúpula de Presidentes da Amazônia, que acontecerá em agosto, na Colômbia. A programação foi estruturada em torno de três grandes painéis temáticos: Direitos, Territórios e o Acordo de Escazú; O Desafio de Proteger a Amazônia do Ponto de Não Retorno; e Alternativas Sustentáveis, Financiamento e Reflorestamento.

Segundo os organizadores, mais do que um evento pontual, os Diálogos se consolidam como uma instância viva e institucional de escuta, proposição e ação — agora com papel estratégico na preparação rumo à COP30, que será realizada em Belém.

O reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Gilmar Pereira da Silva, destacou a relevância da participação popular nos processos políticos, especialmente rumo à COP30. Ele celebrou o envolvimento da universidade nos Diálogos Amazônicos e na sistematização da Declaração de Belém, defendendo que não há COP legítima sem os povos amazônicos e os movimentos sociais. Gilmar reafirmou o compromisso da UFPA em colocar seu conhecimento e estrutura a serviço da luta por justiça social, enfrentando os desafios impostos por uma realidade ainda marcada pelo colonialismo e pelas desigualdades. Para ele, “pensar a Amazônia é pensar o país a partir de uma perspectiva popular, inclusiva e transformadora”.

Marília Closs, coordenadora de projetos da Plataforma CIPÓ, apresentou um balanço da implementação da Declaração de Belém, assinada em 2023, destacando que o documento, com seus 113 compromissos distribuídos em 16 eixos temáticos, é um instrumento potente para a cooperação internacional na proteção da Amazônia. A plataforma acompanha cerca de 1.400 ações políticas relacionadas à implementação da declaração, constatando que 65% dessas iniciativas ainda estão em estágio preliminar, como criação de grupos de trabalho e reuniões técnicas. Apesar dos avanços, principalmente na proteção das florestas, ela ressaltou o atraso causado por entraves burocráticos, falta de financiamento e a sobrecarga de poucos atores envolvidos. Marília enfatizou a necessidade de maior urgência e eficácia para transformar o compromisso político em ações concretas, colocando a Plataforma CIPÓ à disposição para contribuir com a construção de propostas para a próxima etapa, a ser discutida na Cúpula da Amazônia em Bogotá.

João Pedro, coordenador de Articulação do Coletivo Pororoka, membro do Comitê Internacional do Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA) e representante da Assembleia Mundial pela Amazônia, destacou a resistência histórica da região frente ao modelo capitalista global, que ele classificou como predatório e voltado exclusivamente ao lucro. Para ele, o Sul Global (em especial as florestas tropicais da Amazônia, África e Indonésia) sustenta a vida no planeta, e é injusto que recaia apenas sobre esses territórios a responsabilidade de proteger o futuro da Terra. João Pedro enfatizou que não pode haver política pública para a Amazônia sem a presença efetiva da sociedade civil amazônica e defendeu a criação de um mecanismo de participação social permanente dentro da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a chamada OTCA Social. Essa estrutura permitiria que movimentos sociais e populações locais tivessem assento legítimo para acompanhar e influenciar decisões políticas, garantindo que a implementação de compromissos internacionais, como os assumidos rumo à COP30, ocorra com democracia e efetividade.

O embaixador João Marcelo Queiroz, do Ministério das Relações Exteriores, ressaltou que os Diálogos Amazônicos representam um momento estratégico para articular posições comuns entre os países da região rumo à COP30. Ele destacou a proposta brasileira do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFF) como uma iniciativa promissora para viabilizar o financiamento climático em larga escala voltado à conservação das florestas tropicais. Segundo ele, a segunda edição dos Diálogos, que será realizada na Colômbia, representa mais um passo relevante na construção de um modelo sólido de diálogo e engajamento entre os Estados e a sociedade civil amazônica.

Joana Menezes, da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), ressaltou a importância da presença efetiva dos povos amazônicos nas decisões que afetam a região, reafirmando que nada deve ser discutido sem a participação direta das populações locais. Como mulher negra amazônida, compartilhou sua vivência em diálogo com comunidades de pescadoras, quilombolas e quebradeiras de coco, apontando que, embora os impactos socioambientais variem entre os territórios, todos os povos da Amazônia sofrem com as consequências do atual modelo de exploração. Joana destacou que a sabedoria ancestral das mulheres, juventudes e povos tradicionais oferece caminhos concretos para a proteção da sociobiodiversidade e reforçou a importância da OTCA Social como mecanismo institucional de participação popular nas instâncias de decisão.

Germán Niño, coordenador do Grupo de Economias Transformadoras da Latindadd, integrante do Comitê Internacional do Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA) e do Fórum Social Mundial de Economias Transformadoras (FSMET) Colômbia 2024, alertou para os retrocessos socioambientais na região, mencionando casos como a fusão dos ministérios de mineração e meio ambiente no Equador e o avanço de projetos extrativistas que colocam comunidades e natureza em risco. Criticou o desinteresse de alguns governos em participar dos Diálogos Amazônicos e relembrou que a exclusão da sociedade civil já foi evidenciada em fóruns globais, como a IV Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento. Germán defendeu a criação de mecanismos permanentes de participação com protagonismo de mulheres, povos indígenas, juventudes e comunidades tradicionais, e o reconhecimento dos direitos da natureza. Ressaltou ainda a importância de integrar saberes científicos e ancestrais, fortalecer a justiça tributária, enfrentar emergências climáticas com rapidez e promover uma transição energética popular. Para ele, a Amazônia carrega uma agenda de futuro — e o futuro é agora.

Vanessa Grazziotin, diretora executiva da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), explicou que o organismo intergovernamental reúne oito países amazônicos (excluindo a Guiana Francesa por ser território francês) e funciona com base no princípio da unanimidade. Criada inicialmente como um tratado em 1978, a OTCA se tornou uma organização com sede em Brasília e secretariado próprio, cujo papel é executar as decisões tomadas pelos países-membros. Vanessa destacou que o principal desafio atual da OTCA é implementar a Declaração de Belém, aprovada na IV Cúpula da Amazônia, realizada em 2023, que resultou em 29 resoluções. Uma delas propõe uma emenda ao tratado para transformar os chefes de Estado, e não mais os ministros das Relações Exteriores, na instância máxima de decisão da organização. A proposta, se aprovada por unanimidade, precisará ser ratificada sem alterações pelos parlamentos dos oito países. Ela também mencionou avanços importantes na estruturação de um mecanismo amazônico conjunto de povos indígenas e na criação de fóruns temáticos, como o de culturas e línguas indígenas e, futuramente, uma rede de autoridades climáticas. Para Vanessa, “a nova lógica da OTCA reconhece que conservar a Amazônia exige escutar não apenas os governos, mas sobretudo os povos que nela vivem e lutam há séculos”, concluiu.

Participaram ainda os representantes da Secretaria Geral da Presidência da República; Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); FASE Amazônia/ Fórum Social PanAmazônico (FOSPA); Movimento Seres e Saberes; Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Ministério Público Federal; Ministério dos Direitos Humanos; Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB); Quilombo do Abacatal/CONAQ; Universidade Popular (UNIPOP); e Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Texto: Ana Teresa Brasil –  Movimento Ciência e Vozes da Amazônia, com a colaboração de Camila Gaspar Queiroz

Imagens: Natália Almeida